Os dois tipos de dor

Uma oração de Kierkegaard, quase um poema, fala da dor e distingue as dores derivadas de preocupações inoportunas ou imaginárias das dores mais reais que chegam até nós. Das primeiras ele pede a Deus que nos livre, resultados que são de nossa agitação. Das segundas, as inseparáveis da existência, ele pede a Deus que dê a força e a humildade para suportá-las. Talvez Kierkegaard esteja falando menos de dores físicas e sim de outras dores, dessas dores que nós consideramos propriamente humanas. Há sim dores provocadas por nós mesmos, derivadas ora do nosso orgulho, ora de nossa incapacidade de conviver com nossas limitações, ora do receio das inevitáveis frustações que nos acompanham, enfim, dores que parecem desconhecer ou zombar da importância e da alta conta em que temos de nós. Todas elas, pode se dizer, são provocadas por nós próprios, pelo nosso autodesconhecimento, pela nossa impaciência. Outras são as dores provenientes da existência, tantas vezes oriundas dessa nossa dupla origem, a finitude que nos habita e a infinitude que procuramos habitar. Estão associadas à desproporção tantas vezes sentida entre a extensão de nossa sede e o quão pouco ela pode ser saciada. Estamos sempre a meio caminho diante da beleza, diante da verdade, diante da bondade. Se percebemos, pela ausência, o que nos falta, o vigor da presença, ainda que restrita, que nos é possível experimentar, lembra de que pátria estamos, em parte, extraviados. Tomara que sejamos capazes, como diz a oração, de evitar essa tirania que exercemos sobre nós mesmos, o excessivo amor próprio, e de acolhermos a falta que é inseparável da existência, cujo enfrentamento é sempre fonte de humanização e de sentido.

Ricardo Fenati. “Dores desiguais”. In: https://www.centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/verso-e-reverso/2327-dores-desiguais

Meditação:

A existência humana não pode fugir da experiência da dor. Mas de onde vêm essas dores? São todas iguais? Para nos ajudar a refletir sobre essas questões, o Passo a Pensar de hoje traz o texto “Dores desiguais”, do professor de filosofia Ricardo Fenati. Escutemos o que ele nos diz:

Ricardo Fenati, comentando uma oração do pensador dinamarquês Kierkegaard, nos ajuda a tomar consciência que há dores que dizem respeito à realidade e outras que brotam de um modo imaginário e inadequado de se relacionar com nossa existência. Você já havia se dado conta desta distinção?

O professor de filosofia apresenta, então, dois pedidos, súplicas, orações distintas: a libertação do imaginário agitado, impaciente e orgulhoso e a capacidade de assumir a finitude e os desejos infinitos de nossa existência humana com força e humildade. É isso o que você busca e pede em seus diálogos interiores? O que esta perspectiva provoca em você?

Ricardo Fenati termina sua reflexão fazendo um elogio da falta, como caminho de humanização e de uma vida com sentido. A condição para isso é acolher e enfrentar esta carência, abrindo-se aos outros e ao futuro. Como você lida com o que lhe falta? Há espaço em sua vida para receber-se dos outros?

O Passo a Pensar de hoje vai chegando ao fim. O que mais lhe chamou a atenção na reflexão de hoje?

A Faculdade Jesuíta deseja que todos saibamos abraçar as dores e as delícias de sermos plenamente humanos!

Produção e apresentação: Lucimara Trevizan e Francys Silvestrini Adão SJ

Música: @CD Sanctus – Paulinas