J. Moltmann
Encontramo-nos hoje no fim da era moderna e no início do futuro ecológico do nosso mundo, se o nosso mundo sobreviver. Com isso, entende-se um novo paradigma, em seu nascimento, que liga entre si a cultura humana e a natureza da Terra de uma forma diferente de como ocorreu no paradigma da era moderna. A era moderna foi determinada pela tomada de poder do ser humano sobre a natureza e as suas forças. Essas conquistas e tomadas de posse da natureza chegaram hoje ao seu limite.
Precisamos compreender a natureza de um modo novo e de uma nova imagem de ser humano e, por isso, de uma nova experiência de Deus na nossa cultura. Uma nova teologia ecológica pode nos ajudar nisso. Segundo as tradições bíblicas, Deus não infundiu seu próprio espírito divino apenas no ser humano, mas em todas as suas criaturas. Se a imagem e semelhança divina do ser humano depende do espírito divino que nele habita, então todas as criaturas, nas quais habita o Espírito de Deus, são imagens de Deus e, portanto, devem ser respeitadas.
Os homens, na sua singularidade, no seu destino e na sua esperança de vida, são uma parte da natureza. Portanto, eles não estão no centro do mundo, mas, para sobreviver, devem se integrar na natureza da Terra e na comunidade das criaturas com as quais vivem.
A arrogância do poder sobre a natureza e a liberdade de fazer dela o que querem não compete a eles, mas lhes compete, sim, uma “humildade cósmica” e uma consideração atenta por tudo o que eles fazem à natureza. O verdadeiro saber não é o poder, mas a sabedoria. As novas ciências astrofísicas demonstraram as interações entre os âmbitos inanimados e os animados do nosso planeta Terra.
Se entendemos a vida em sentido puramente biológico, então a terra não é “viva”, porque não se reproduz. No entanto, deve se dizer que ela é mais do que viva, porque produz vida. Ela não é nem um “organismo”, no sentido em que conhecemos os organismos biológicos. Ela é mais do que um organismo, porque produz organismos. A Terra é um sujeito de tipo particular, incomparável e único. Não é um conglomerado aleatório de matéria e energia, não é nem cega, nem muda. É inteligente, porque produz inteligência.
Esse sentimento cósmico de comunhão é mais amplo do que todos os âmbitos da natureza que podemos conhecer e dominar. Por isso, hoje é tempo de colocar no centro a santidade da Terra e de nos integrarmos conscientemente à comunidade da Terra. Comecemos a falar sobre um tema particular da teologia cristã, tema que, na reviravolta ecológica para a Terra e as suas condições de vida, torna-se atual hoje: a teologia natural. Embora tradicionalmente se entendia por essa expressão um conhecimento indireto de Deus a partir da natureza, hoje precisamos de um conhecimento indireto da natureza a partir de Deus.
As crises ecológicas destroem as condições vitais da Terra. Para conservá-la apesar das forças destrutivas, precisamos de um “sim” à Terra que supere tais forças e de um invencível amor pela Terra. Há talvez um maior reconhecimento e um amor mais forte do que a fé na presença de Deus na Terra e nas suas condições de vida? Precisamos de uma teologia da Terra e de uma nova espiritualidade da criação.
Publicado originalmente no jornal Avvenire (Itália), 18-05-2012.