A ideia do Humanismo formou-se no curso de um longo e complexo processo que se estendeu por toda a antiguidade clássica, pela idade média latina e prolongou-se pelos tempos modernos, conhecendo, nos séculos XIX e XX, um grande florescimento e muitas críticas. Herdeira de três grandes tradições, a grega, a latina e a bíblico-cristã, essa ideia deve à tradição grega o conceito de interioridade racional e espiritual, a noção de inteligência aberta às realidades transcendentes e a definição do ser humano como natureza racional adequada, pela razão, ao conhecimento do ser na sua universalidade. Da tradição latina ela herdou a noção de humanitas, que define o gênero humano, e a expressão studia humanitatis, que designa os estudos que formavam no jovem as qualidades da humanitas, e a compreensão da estrutura objetiva do direito na edificação da sociedade política. Da tradição bíblico-cristã, ela acolheu a compreensão da transcendência divina, em relação de aliança com a criação, na qual o ser humano ocupa um lugar central, pois foi criado como liberdade à imagem e semelhança de Deus. Desta tríplice herança, três dimensões serão constitutivas do pensamento ocidental: a metafísica, a ético-jurídica e a religiosa. A partir delas formou-se o imaginário social e cultural do Ocidente, no qual o humano ganhou importância e a defesa de sua vida centralidade. Essa base filosófica e teológica do humanismo define-se, portanto, neste espaço em que o ser humano se abre, pela razão e pela liberdade, à universalidade do Ser e à afirmação de Deus como Existente absoluto, podendo então ser definido como capax entis: capaz de acolher o Ser na sua universalidade, e capax Dei: ordenado ontologicamente ao Absoluto.
Apesar de central na formação da cultura ocidental, a ideia de humanismo foi objeto de grandes debates nos últimos dois séculos, sendo fortemente objeto de suspeita a partir da década de 70’. Se por um lado, essa ideia conheceu novas formulações nos séculos XIX e XX, com o “humanismo ateu” de filiação marxista, o “humanismo científico” de tradição positivista, o “humanismo pragmatista” norte-americano, o “humanismo evolucionista” de J. Huxley, o “humanismo existencialista” de J.-P Sartre e outros, por outro lado, a partir dos anos 70’, o humanismo é criticado pelo estruturalismo, o pensamento ecológico, o niilismo pós-moderno, além de ter conhecido as novas releituras oriundas da tecnociência e sua formulação do pós e do transhumanismo. Grande parte dessas interpretações modernas e contemporâneas do humanismo opõe razão e transcendência, Deus e ser humano, verdade e bem, antropologia e teologia. Tais perspectivas operam a passagem do ser ao objeto, do natural ao artificial, do ético ao político e ao técnico, da transcendência à imanência. A ideia de Deus, submetida a todo tipo de crítica, leva à substituição do Deus transcendente da tradição bíblico-cristã por divindades criadas no horizonte da imanência humana: o progresso, que advoga o contínuo avanço para um futuro melhor; a obsessão pelo tempo, que promove a oposição entre tempo humano e tempo físico e leva à submissão do tempo da vida ao do cronômetro.
(Texto elaborado pela Comissão organizadora do XV Simpósio Internacional da Faculdade Jesuíta, que se realizará em outubro de 2019)