Do bom uso das crises

Agora que se banalizou o termo crise, será porventura um risco continuar a usá-lo para descrever a construção do itinerário interior e espiritual, a lenta e contraditória maturação que é sempre a nossa. Contudo, num tempo em que escasseiam os mestres, e parecemos entregues a uma autogestão distraída – quando não a um isolamento devorante –, experiências assim “são realmente grandes mestres que têm alguma coisa a ensinar-nos”. Atravessar como estrangeiros a nossa vida não é necessariamente mau: permite-nos um olhar a que ainda não havíamos chegado, permite-nos escutar não apenas a vida aparente, mas a insatisfação, a sede de verdade, e passar a assumir uma condição peregrinante. Não nos escutarmos, até ao fim, é desperdiçar uma preciosa ocasião para aceder àquela profundidade que pode devolver sentido à existência. Mesmo sabendo que experiências dessas funcionam como um austero mestre para o qual raramente nos consideramos preparados… Talvez precisemos descobrir que, no decurso do nosso caminho, os grandes ciclos de interrogação, a intensificação da procura, os tempos de impasse, as experiências de crise se instalam para que seja evitado o pior. E o que é o pior? Explica-o Jesus de Nazaré: o pior é ter olhado sem ver, ter ouvido sem escutar, ter captado de alguma maneira, mas não ter efetivamente acolhido.

Meditação:

Nenhum de nós pode prever, com clareza, a chegada de uma crise. Mas como reagimos quando ela chega? O Passo a Pensar de hoje quer nos ajudar a refletir sobre isso, a partir do texto “do bom uso das crises”, do biblista, poeta e cardeal José Tolentino Mendonça. Escutemos o que ele nos diz:

José Tolentino Mendonça situa as crises dentro de nosso lento e complexo processo de amadurecimento humano e espiritual. Quando chega uma crise, sentimo-nos como estrangeiros em nossa própria vida, perdemos as referências com as quais líamos o mundo. Já experimentei isso alguma vez? Isso me ajuda a compreender um pouco mais nossas reações diversas neste tempo de pandemia?

O poeta cardeal trata as crises como um mestre: duro, austero, mas necessário. Um mestre que nos leva às profundezas de nossa humanidade, de nosso modo de organização social e de relação com o mundo. As crises podem nos ajudar a reconhecer insatisfações, incertezas e impasses, mas elas também nos revelam nossas sedes, procuras e, sobretudo, que nossa condição humana é sempre peregrina. Como tenho escutado a lição deste tempo? Tenho descoberto algo novo sobre mim e sobre nossa humanidade comum?

Escutemos uma segunda vez a reflexão de José Tolentino Mendonça.

Tolentino nos alerta para o risco de desperdiçar uma oportunidade única de maturação, ou seja, não colher os bons frutos de uma experiência de crise. É isso que ele chama de “evitar o pior”. Tenho me disposto a abrir os olhos, os ouvidos, a inteligência para construir algo novo, melhor, em minha vida pessoal e social?

Vamos chegando ao fim de mais um Passo a pensar. Em que pontos a reflexão de hoje mais lhe inspirou e provocou?

A Faculdade Jesuíta deseja que você colha os melhores frutos de todas as suas experiências humanas!

Texto: José Tolentino Mendonça. Pai-Nosso que estais na Terra, pp. 12-13.

Música: It Is Well With My Soul – Horatio G. Spafford/Philip P. Blis © CD Sanctus – Paulinas.

Locução: Lucimara Trevizan e Francys Silvestrini Adão sj