Quando nasci
um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Adélia Prado. “Licença poética”.
Meditação:
O que significa ser mulher? Como falar desta experiência existencial tão forte, vivida pela metade da humanidade? Para nos ajudar a refletir sobre essas questões, o Passo a Pensar de hoje nos propõe o texto “Licença poética”, da poeta e escritora Adélia Prado. Escutemos o que ela nos diz:
Adélia Prado não apresenta definições sobre o que é ser mulher. Mas, com a beleza da poesia, fala de sua experiência. Logo de entrada, fala do anúncio de uma novidade, feliz e ainda pesada: ser porta-bandeiras! Quais são as bandeiras que as mulheres carregam em nossos dias? Temos consciência do peso dessas bandeiras e da necessidade de companhia?
A poeta continua seu auto-retrato poético. Não descreve idealizações, mas uma experiência humana, marcada por suas contradições: fé e dúvida, destinos e liberdade, tristeza e desejo de alegria, novos nascimentos e dores. Como você tem vivido estas experiências comuns à humanidade? Há algo próprio à condição histórica das mulheres?
Adélia se reconhece como herdeira de uma linhagem milenar em busca de alegria. E reconhece também a flexibilidade que a condição feminina lhe oferece: possibilidades de inaugurações, fundações, a oportunidade de ser poesia. Como esta ousadia poética inspira seu modo de viver sua humanidade?
Vamos chegando ao fim de mais um Passo a pensar. Há algum ponto desta reflexão que você queira aprofundar e revisar?
A Faculdade Jesuíta deseja que todos aprendamos com as mulheres a graça de viver com licença poética!
Música: © CD Sanctus – Paulinas.
Locução: Sabrina Cotta e Francys Silvestrini Adão sj