A alegria de ser um corpo

A poeta mineira Adélia Prado, que faz da palavra o barro em que parece moldar a sua fé, nos surpreende frequentemente com ideias sobre Deus que revolvem toda noção pré-concebida ou estaticamente consagrada como verdade. No poema “Festa do corpo de Deus”, publicado originalmente no livro Terra de Santa Cruz, a surpresa beira o escândalo no verso “Jesus tem um par de nádegas!”. O que fazemos com este verso, depois do primeiro movimento que gera em nós? Para alguns, repulsa, para outros, alegria pela ousadia; inquietação, para quase todos. A mim a surpresa gera curiosidade, movimento do pensamento, alegria. Ao mesmo tempo, a inquietação da certeza de muito pouco compreender. É preciso ler e reler o poema, seguir com Adélia para alcançar o que ela nos pede com seu barro feito de vida, fé e ousadia. (…) Porque Jesus viveu entre nós, com um corpo como o nosso. E porque a salvação da carne pode ser uma face da salvação, palavra tão cara a todo tipo de pensamento cristão. Jesus viveu como corpo e assim nos mostrou que o corpo é simplesmente a morada que temos, a forma que a vida toma em nós. A carne, inocente porque despida de todo e qualquer acréscimo, é a face do que somos.

Marília Murta de Almeida. “A festa do corpo”. In: https://faculdadejesuita.edu.br/palavra-presenca/a-festa-do-corpo/

Meditação:

Como nós lidamos com nosso corpo e com o corpo alheio? Tiramos todas as consequências de nossa devoção profunda ao Corpo de Cristo? O Passo a Pensar de hoje quer nos ajudar a refletir sobre isso, a partir de um trecho do texto “A festa do corpo”, da pesquisadora e professora de filosofia Marília Murta de Almeida. Escutemos o que ela nos diz:

Marília Murta nos coloca diante da profundidade e da ousadia da poesia crente de Adélia Prado. Ao falar da humanidade de Jesus, a poeta nos convida a enxergá-lo inteiramente como um de nós, com um corpo como o nosso, inclusive essas partes de nós com as quais lidamos com certo embaraço, como um par de nádegas. O que esta simples afirmação provoca em você? Costuma pensar no corpo de Jesus como num corpo humano, em tudo semelhante ao seu?

A professora compartilha sua própria reação diante desta afirmação inusual. Por um lado, ela se sente movida a conhecer, refletir, se alegrar. Por outro, reconhece que sua compreensão do mistério parece pequena, diante desta provocação. E ela se põe à escuta atenta da poeta. Você se deixa provocar pelo modo como a palavra poética nos convida a ampliar nosso olhar sobre o mistério do mundo e o mistério de Deus?

Marília Murta lembra que uma especificidade da fé cristã é, justamente, a salvação da carne! Olhar para o corpo e a carne de Jesus – e para o modo como ele lida com corpo e carne dos outros – deve ser o caminho para uma maior acolhida e valorização de nosso corpo físico e de nossos corpos sociais. Você crê nesta salvação da carne? Como tem cuidado de seu corpo e de suas relações?

O Passo a Pensar de hoje vai chegando ao fim. Que pontos desta reflexão merecem um maior aprofundamento?

A Faculdade Jesuíta deseja que experimentemos a alegria de sermos homens e mulheres encarnados e em relação!

Música: Crepúsculo © 2016, Cristóbal Fones, SJ

Produção e apresentação: Lucimara Trevizan e Francys Silvestrini Adão SJ