(Texto extraído do livro “As perguntas da vida”, de Fernando Savater)
A razão não é algo que os outros me contam, nem fruto de meus estudos ou da minha experiência, mas um procedimento intelectual crítico que utilizo para organizar as informações que recebo, os estudos que realizo ou as experiências que tenho, aceitando algumas coisas (pelo menos provisoriamente, à espera de novos argumentos) e descartando outras, tentando sempre vincular minhas crenças entre si com uma certa harmonia. E a primeira coisa que a razão tenta harmonizar é o meu ponto de vista meramente pessoal ou subjetivo com um ponto de vista mais objetivo ou intersubjetivo, o ponto de vista a partir do qual qualquer outro ser racional pode considerar a realidade. Se uma crença minha se apoia em argumentos racionais, eles não podem ser racionais só para mim. O que caracteriza a razão é nunca ser exclusivamente minha razão. Disso provém a universalidade essencial da razão, na qual os grandes filósofos, como Platão ou Descartes, sempre insistiram. Essa universalidade significa, primeiro, que a razão é universal no sentido de que todos os homens a possuem, mesmo os que fazem dela o pior uso (os mais bobos, falando claramente), de modo que com atenção e paciência todos poderíamos convir nos mesmos argumentos sobre algumas questões; e, segundo, que a força de convicção dos raciocínios é compreensível para qualquer um, contanto que decida seguir o método racional, de modo que a razão pode servir de árbitro para resolver muitas disputas entre os homens. Essa faculdade (esse conjunto de faculdades?) chamado razão é justamente o que todos nós, os humanos, temos em comum, e nisso se baseia nossa humanidade compartilhada. Por isso Sócrates previne o jovem Fédon contra se deixar invadir pelo ódio aos raciocínios “como alguns chegam a odiar homens. Porque não existe um mal maior do que se tornar presa desse ódio aos raciocínios”. Detestar a razão é detestar a humanidade, tanto a própria quanto a dos outros, e enfrentá-lo sem remédio como inimigo suicida…
O objetivo do método racional é estabelecer a verdade, isto é, a maior concordância possível entre o que acreditamos e o que de fato ocorre na realidade da qual fazemos parte. “Verdade” e “razão” compartilham a mesma vocação universalista, o mesmo propósito de validez tanto pra mim mesmo quanto para o resto de meus semelhantes, os humanos.