“Podemos dizer que o feminismo é um operador teórico-prático, mas no sentido de um contra dispositivo. Ele é acionado para desativar o dispositivo de poder da dominação masculina patriarcal. Estou chamando de ‘contradispositivo’ o método – necessariamente construído na base de uma teoria e de uma ação capazes de fazer desmontar o dispositivo que o patriarcado é. O que é um dispositivo?
O filósofo francês Michel Foucault definiu o poder como um dispositivo, ou seja, um arranjo. O patriarcado é também uma forma de poder. Ele é como uma coisa, uma geringonça feita de ideias prontas inquestionáveis, de certezas naturalizadas, de dogmas e de leis que não podem ser questionadas, de muita violência simbólica e física, de muito sofrimento e culpa administrados por pessoas que têm o interesse básico de manter seus privilégios de gênero, sexuais, de raça, de classe, de idade, de plasticidade.
O feminismo é o contradispositivo, uma espécie de agulha que fura essa bolha. Desmontar a máquina misógina patriarcal é como desativar um programa de pensamento que orienta nosso comportamento.
O patriarcado é um verdadeiro esquematismo do entendimento, um pensamento pronto, que nos é dado para que pensemos e orientemos a nossa ação de um determinado modo, sempre na direção do favorecimento dos homens brancos e de tudo o que sustenta seu poder. Aqui, é bom saber, o que chamo de ‘homem branco’ é apenas uma metáfora do poder, do sujeito do privilégio, da figura autoritária alicerçada no acobertamento das relações que envolvem os aspectos gênero, raça, sexo e classe, idade e corporeidade. Uma pessoa que tenha as características do homem branco também pode desconstruir-se e se tornar um outro ser para além da violência com que se constrói um ‘homem branco’. Nesse ponto podemos discutir a complexa questão dos homens nos feminismos.”
(Márcia Tiburi, Feminismo em comum, para todas, todes e todos)
“É dentro de um mundo dado que cabe ao homem fazer triunfar o reino da liberdade; para alcançar essa suprema vitória é, entre outras coisas, necessário que, para além de suas diferenciações naturais, homens e mulheres afirmem sem equívoco sua fraternidade.”
(Simone de Beauvoir – O segundo sexo)