Ficar em casa

A recomendação, tão necessária, para que fiquemos em casa é, como sabemos, essencial para o trabalho daqueles que não podem ficar em casa. Mas ficar em casa tem, de um lado, uma dimensão desoladora. É que fomos feitos para o convívio, como disse um antigo filósofo grego. E mais, nós nos formamos no convívio. Então é compreensível que essa recomendação nos incomode. (…) Ficamos em casa, mesmo contrariados, pois há uma ameaça. Mas não é fácil já que o receio, mesmo justificado, não é suficiente. Então nos deparamos com uma das faces mais duras da miséria de nossos tempos, a nossa pouca habilidade, os nossos escassos recursos para convivermos com nós mesmos. Somos hoje, muitas vezes, animais distraídos e quando a distração escasseia, como agora, é inevitável um certo mal estar. A convivência com nós mesmos, esse território tão próximo, tão distante, sempre foi mediada, ao longo do tempo, por histórias, sejam as vindas dos mitos, da poesia, da literatura de uma forma geral e das religiões. (…) Esses relatos procuravam dar um rosto humano ao enigma de que somos feitos. (…). Oxalá, involuntariamente confinados, sejamos capazes de voltar nossa atenção para essas fontes de sabedoria que indicam, ainda que de forma sempre incompleta, os caminhos que nos conduzem à intimidade da existência.

Meditação:

Ficar em casa não é fácil. Mas quais são as razões desta dificuldade? O Passo a Pensar de hoje nos propõe pistas de reflexão sobre esta questão. Para isso, teremos a ajuda de um texto do professor de filosofia Ricardo Fenati. Escutemos o que ele nos diz:

Segundo Ricardo Fenati, a recomendação de ficar em casa gera um incômodo em nós, primeiramente, por uma razão ligada à nossa condição humana: somos seres sociais, continuamente formados pelo convívio com outros seres humanos. Noto em mim este incômodo? Aproveito este tempo para dar-me conta da importância do convívio com outros em minha vida?

O professor nos convida a ir mais longe e a aprofundar a compreensão de nosso desconforto. Uma das convivências mais difíceis seria o convívio consigo mesmo, consigo mesma, com nosso surpreendente mundo interior. Reconheço em mim esta atitude de distração de que fala o professor? Tenho vivido este tempo como uma oportunidade para conhecer-me mais profundamente e cultivar a interioridade?

Escutemos, uma vez mais, a reflexão de Ricardo Fenati.

O professor nos aponta uma mediação fundamental de que dispomos para entrar em contato com nossa humanidade profunda: as narrativas poéticas, míticas e religiosas… ou seja, as palavras de outros humanos sobre o sentido de nossa existência comum. Abro espaço em minha vida para essas narrativas? Como elas me ajudam a ler o mundo e a ler a mim mesmo, a mim mesma, de modo mais profundo?

Vamos chegando ao fim de mais um Passo a pensar. O que achei da reflexão proposta hoje? Gostaria de revisitar e aprofundar algum ponto que me pareceu esclarecedor?

Que você saboreie, com alegria, a convivência com sua humanidade profunda!

Ricardo Fenati. “Em tempos difíceis”. In: https://www.centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/verso-e-reverso/2014-em-tempos-dificeis

Música: As Rain In The Desert Brings Hope – D.T. Halpin, fsp/G.A. Richards, fsp © CD Sanctus – Paulinas.


Locução: Fátima Fenati e Ricardo Fenati